As novas possibilidades existentes devido ao aperfeiçoamento da “técnica” permitiram à ciência e à medicina uma evolução antes impensada. A esperança de descoberta de novas terapêuticas para doenças graves e o desenvolvimento de novos métodos e fármacos capazes de melhorar a qualidade de vida dos pacientes, colocaram a medicina e a genética em destaque. Todavia, essa mesma técnica levou à formulação de questões éticas e legais quanto à manipulação da vida. Nesse aspeto, indaga-se se existem “mecanismos de controle” suficientes para enfrentar estes avanços e quais os perigos que uma proteção jurídica pode causar na vida humana.
A relação Homem-Natureza sofreu profundas alterações com o avanço da técnica. Numa primeira instância o Homem era uma unidade integrante da natureza, sujeito às suas leis e dela dependente, com o evoluir da “técnica”, a situação inverte-se e o Homem passa a exercer o domínio sobre a natureza.
Contudo, o domínio humano é meramente ilusório, o Homem já não se consegue desenvencilhar do aparato técnico: na contemporaneidade, a técnica exerce domínio sobre o Homem e sobre a natureza. O grande problema, envolvendo o domínio exercido pela técnica é que esta, quando utilizada sem controle, tem o poder de alterar a natureza de maneira tão profunda que é capaz de modificar até mesmo a nossa perceção acerca da vida.
A responsabilidade sobre a técnica passa a ser do Homem.
Será que a técnica para ser considerada benéfica ou prejudicial dependerá da utilização humana a ela associada? Talvez esta questão não deva ser respondida de modo maniqueísta, como sugere Martin Heidegger: “Diz-se: a técnica é neutra – o homem é que a converte numa bênção ou numa maldição. Porém, o que é o homem? O que é a técnica? Afinal de contas, o homem moderno é algo mais que a produção técnica do que ele é ou não é em si mesmo?“ (HEIDEGGER RÜDIGER, 2006).
De acordo com o filósofo alemão, a aparente neutralidade da técnica é o que permite ao homem tentar esgotar todas as suas probabilidades, sem medir as consequências.
Surge, então, uma técnica científica …
Manipulação genética de embriões humanos
Tomemos como ponto de partida esta notícia que teve destaque a nível mundial:
“A Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul da China, em Shenzen, anunciou abrir uma investigação sobre o caso que envolve um dos seus cientistas que revelou a criação dos primeiros bebés do mundo geneticamente manipulados.”
O cientista chinês, He Jiankui, revelou em Hong Kong a manipulação de embriões de sete casais durante tratamentos de fertilidade. A modificação genética terá sido feita em duas meninas gémeas cujo DNA o cientista diz ter alterado através de uma técnica designada por CRISPR/Cas9 - técnica criada em 2012 que permite alterar o DNA, nomeadamente incluir e desativar genes ou corrigir mutações genéticas envolvidas em doenças.
Segundo o investigador da universidade chinesa, o objetivo não seria curar ou prevenir qualquer doença hereditária, mas tentar dotar os embriões da capacidade para resistir a uma eventual infeção por VIH (Vírus da Imunodeficiência Humana).
O que, de facto, está a acontecer ?
Tecnicamente é possível trocar um gene do DNA de uma célula por outro à escolha do investigador. Os cientistas já o fizeram com ratos e com primatas não humanos, mas, atualmente, é notório que o pretendem fazer com embriões humanos.
Se, por um lado, existem cientistas que se opõem a este tipo de investigação e as conceituadas revistas científicas “Nature” e “Science” rejeitaram publicar qualquer tipo de experiências com embriões humanos; por outro, existem aqueles que defendem que esta investigação é crucial para erradicar doenças geneticamente transmissíveis.
Significado literal de Manipulação genética
A manipulação ou edição genética é um procedimento no qual sequências específicas de DNA são eliminadas, permitindo a sua substituição por novas sequências de genes. O termo “edição” alude à metáfora da produção de um texto, na qual as letras são apagadas para então serem reescritas.
Pode-se, eventualmente, manipular o DNA de diversos seres vivos com finalidades distintas: tratamento de doenças, criação de alimentos transgénicos, aperfeiçoamento de particularidades humanas não patológicas, entre outras. O objetivo será sempre introduzir novas características num ser vivo de modo a aumentar a sua utilidade.
Mais recentemente, em agosto de 2017, foi publicada uma experiência semelhante pela revista “Nature”, sendo conduzida na Universidade de Saúde e Ciência do Oregon pela equipe do cientista Hong Ma. O estudo procurou corrigir a mutação no gene MYBPC3 em embriões humanos. Essa variação genética é conhecida por provocar cardiomiopatia hipertrófica - espessamento da musculatura cardíaca.
Proibição ou Admissão?
Existe uma lei que proíbe a clonagem ou qualquer manipulação genética, Lei 8.974/95, artigo 13º, que tipificou como infração penal, punida com penas privativas de liberdade, a manipulação genética de células germinais humanas e a intervenção em material genético humano vivo, para fins não terapêuticos, do mesmo modo que constitui crime a produção, o armazenamento ou a manipulação de embriões destinados a servir como material biológico disponível.
Sendo assim, o que é Engenharia Genética?
É importante compreender o que é a Engenharia Genética - o conjunto de técnicas que manipulam o DNA, por meio da sua recombinação, com o objetivo de fabricar organismos melhorados. Esse processo agrega alguns ramos do conhecimento além da própria genética, como a biologia molecular e a bioquímica.
A manipulação genética começou a consolidar-se no início da década de 1970, pois, nesse período, iniciaram-se as primeiras experiências com a intervenção de enzimas bacterianas, designadas de enzimas de restrição (endonucleases), dotadas da capacidade de “cortar” a molécula de DNA em determinados pontos, formando pequenos fragmentos do mesmo.
As endonucleases são, neste sentido, utilizadas para mapeamento do genoma de seres vivos, sendo que o estudo destas enzimas constitui a base da Engenharia Genética.
Terapêutica Génica, será ?
A engenharia genética proporciona a ocorrência de diversas intervenções no gene humano. De entre estas potencialidades destaca-se a terapia génica. Esse tipo de terapia engloba todos os processos que designámos anteriormente - adição, modificação, substituição ou supressão dos genes relacionados com o aparecimento de determinadas enfermidades ou anomalias.
Esta terapêutica pode ocorrer tanto em células-tronco humanas germinais, como em células somáticas. Aplicada a células-tronco germinais, esta associa-se à manipulação de células de reprodução (espermatozóides ou óvulos) e consiste em promover a cura de patologias genéticas mediante a introdução de genes em células que se encontram em processo germinativo, mas que ainda não alcançaram a fase de desenvolvimento celular diferenciado, ou seja, células-tronco (totipotentes).
É relevante salientar que, além da terapia génica, outras técnicas científicas ganharam destaque na sociedade, entre elas: o mapeamento do genoma humano, a seleção artificial genética, a clonagem e a problemática dos embriões excendentários.
Com o estudo do genoma humano, inúmeras discussões eclodiram sobre a possibilidade de se escolher as futuras características de um embrião, através da seleção artificial. E se pudesse escolher a cor dos olhos do seu filho?
Torna-se imperativo expor ao leitor que esta técnica, atualmente, é realizada através da análise de material genético do embrião, por meio de uma biópsia, chamado diagnóstico pré-gestacional (PGD), visando, primordialmente, o diagnóstico de doenças genéticas.
Uma outra técnica…
Clonagem reprodutiva
A clonagem que, atualmente, vemos divulgada nos media é, na maioria das vezes, a reprodutiva. Há, no entanto, outros tipos de clonagem: clonagem de DNA recombinado, clonagem natural e clonagem terapêutica.
A clonagem reprodutiva é, então, um processo, desenvolvido em laboratório, de reprodução de espécies geneticamente iguais. O primeiro mamífero a ser clonado foi a ovelha Dolly, em 1996, no Reino Unido, que viveu durante seis anos.
A clonagem é um conceito definido no artigo 3º, inciso VIII, da Lei de Biossegurança Nacional (Lei nº 11.105/05). O referido artigo define-a como o processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente, baseada num único património genético, com ou sem a utilização de técnicas de engenharia genética. Sendo assim, obtém-se um clone, uma cópia geneticamente idêntica de um ser vivo.
Na literatura biomédica são duas as técnicas divulgadas :
1. Clonagem por divisão embrionária;
2. Clonagem por transferência de núcleo;
Quanto à clonagem por divisão embrionária (1) é importante enfatizar que pode acontecer espontaneamente na natureza, como por exemplo, no caso dos gémeos monozigóticos; ou artificialmente, num laboratório, mediante a divisão de um embrião nos primeiros estágios de desenvolvimento.
Já a clonagem por transferência nuclear (2) acontece através da transferência do núcleo de uma célula somática para um óvulo previamente enucleado.
O conhecimento adquirido a partir desta técnica é o facto das células adultas, já diferenciadas, atuarem como uma célula específica. A sua composição genética reprogramada permite, às células, voltarem a um estágio equivalente ao embrionário, fazendo com que, ao serem transferidas para um óvulo enucleado, sejam capazes de criar um embrião. Caso sejam implantadas no útero desenvolvem-se até gerarem um novo individuo adulto, com as mesmas características genéticas do indivíduo inicial.
Clonagem de DNA recombinado
A tecnologia de DNA recombinado ou clonagem de DNA classifica-se como a transferência de um fragmento de DNA de um organismo para um vetor, como, por exemplo, um plasmídeo - DNA circular encontrado em células bacterianas.
A clonagem de DNA é utilizada pelos cientistas para gerar múltiplas cópias de determinado gene, pelo qual haja algum tipo de interesse. Para clonar um gene, um fragmento de DNA é isolado, utilizando-se enzimas de restrição.
Esse fragmento de DNA é, depois, introduzido no plasmídeo, dando origem a um plasmídeo recombinante que é posteriormente inserido na célula bacteriana (Exemplo: Escherichia coli).
Clonagem terapêutica
A clonagem pode ser realizada ainda para fins terapêuticos, que tem como finalidade a obtenção de células tronco embrionárias, a serem utilizadas em futuras terapias no combate a doenças.
Numa vertente terapêutica, as células são cultivadas em laboratório, dando origem a células-tronco (totipotentes), ainda indiferenciadas. Essas células são estimuladas a transformarem-se num tecido específico de modo a serem utilizadas na regeneração de órgãos humanos afetados por doenças como a Doença de Parkinson, Cancro e Leucemia.
Do ponto de vista terapêutico, o embrião nunca será introduzido no útero e, por isso, nunca se desenvolverá até ao nascimento de um novo ser, apenas será aproveitado como fonte de células-tronco, que serão utilizadas no desenvolvimento de terapias a favor do próprio doador do material genético. Essa identidade genética entre o doador e o recetor do material génico, em teoria, impede que se desenvolva um processo de rejeição.
No entanto, a Lei de Biossegurança Nacional, no seu artigo 26º, considera delituosa a clonagem humana. Contudo, ao determinar a sua conduta, não promove a distinção entre clonagem terapêutica e reprodutiva, proibindo, desta forma, em tese, ambas.
Chamamos à atenção do leitor que estas técnicas fazem surgir inúmeras questões éticas e, por isso, existem leis que ou proíbem ou controlam minuciosamente as suas aplicações, restringindo-as.
Para terminar este post, com “Chave d’ouro” sugerimos que se informe sobre o seguinte projeto:
Projeto Genoma Humano
O Projeto Genoma Humano (PGH) traduziu-se numa pesquisa científica que contou com a participação de cientistas de 18 países.
O genoma é o conjunto de genes de uma espécie. O gene é formado por sequências de centenas ou milhares de pares de bases nitrogenadas.
Assim, o principal foco do projeto foi realizar o sequenciamento das bases nitrogenadas do DNA humano.
Os resultados finais foram apresentados em abril de 2003, com 99% do genoma humano sequenciado e 99,99% de precisão. Os resultados preliminares do projeto foram divulgados na revista “Nature”, em 2001.
Projeto que se iniciou em 1990, com inúmeros objetivos:
- Sequenciar todos os pares de bases nitrogenadas do DNA humano;
- Identificar todos os genes humanos;
- Desenvolver uma metodologia ágil para os estudos de sequenciamento do DNA;
- Desenvolver novas ferramentas para análise dos dados do DNA e novas formas de os disponibilizar aos pesquisadores;
- Oferecer um banco público de dados com os resultados do projeto para dar suporte à pesquisa científica, médica e farmacológica.
Em fevereiro de 2001, foi anunciado que 90% do mapeamento genético já estava concluído, com cerca de 3 milhões de pares de bases do DNA e quase 30 mil genes identificados.
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