O ursodiol (ácido ursodesoxicólico- UDCA), é um ácido biliar naturalmente presente em pequenas quantidades na bílis humana e com importante aproveitamento farmacológico.
Para que serve?
Na verdade, a utilização desta substância tem origem na medicina tradicional chinesa, tendo sido utilizada desde então para combater alguns distúrbios: irritação ocular, febre, epilepsia, convulsões, hemorroidas, falências hepáticas, entre outros. Assim, o ursodiol ganhou destaque devido à sua eficácia, por um lado, e à ausência de efeitos secundários toxicológicos significativos, por outro.
Na década de 90, surgiram vários estudos publicados em artigos científicos acerca deste principio ativo que alteraram o modo como este medicamento era percecionado pelos estudiosos da medicina ocidental, dado que foi reconhecida a sua capacidade anti-apoptótica, quando utilizado simultaneamente com um ácido biliar semelhante – ácido tauroursodesoxicólico (TUDCA).
Era ainda utilizado para tratamento da eclâmpsia, distúrbios na visão ótica e dissolução de cálculos biliares de colesterol na vesícula biliar. Assim, rapidamente o ursodiol tornou-se um grande alvo de estudo por parte da indústria farmacêutica.
E hoje em dia?
Atualmente, o ácido ursodesoxicólico continua a ser também utilizado para dissolver cálculos biliares e, ainda, para tratar cirrose biliar primária e gastrite de refluxo biliar.
Além disso, o caráter anti-apoptótico (impedimento da morte celular) da conjugação do TUDCA com o UDCA tem vindo a despertar interesse na vertente de investigação de outras doenças, tais como Doença de Huntington, Doença de Alzheimer, degeneração da mácula densa, esclerose lateral amiotrófica, ataques vasculares cerebrais e a Doença de Parkinson. Contudo, a sua capacidade anti-apoptótica pode aumentar a suscetibilidade para desenvolvimento de cancro uma vez que esta doença resulta de divisões celulares incontroláveis.
E agora? Será ético utilizar um medicamento que pode curar uma doença mas levar ao desenvolvimento de outra futuramente? Deverá ser uma decisão do paciente? Valerá a pena o risco? Tudo questões que se tornam relevantes analisar do ponto de vista ético associado à entrada e permanência deste medicamento no mercado farmacêutico.
Ursodiol no Oriente…
Na China, a extração de ursodiol, envolve a remoção da vesícula biliar do urso-negro-asiático (Ursus thibetanus). A bílis desta espécie possui quantidades significativas de UDCA.
Tendo em conta os princípios éticos, consideramos importante invocar a atenção dos nossos leitores para a dura realidade de como é feita a remoção de bílis através de um catéter não esterilizado, diariamente, em ursos vivos. Além disso, é realizada sem qualquer tipo de consideração pela dignidade do animal, constituindo uma grave violação aos direitos dos animais.
Confinados a viver aprisionados em jaulas demasiado pequenas para o seu tamanho, estes animais não são vistos como mais que uma fonte diária de um principio ativo com inúmeras vantagens terapêuticas, o que se reflete numa vida extremamente dolorosa, cruel e angustiante. É de prever que a maioria dos ursos morra de infeções crónicas ou de outras doenças como cancro no fígado.
A exploração do urso negro asiático é extremamente rentável, não só porque a bílis se encontra avaliada a um elevado valor no mercado asiático, mas também porque existe lucro associado à venda das patas, da pele e das crias indefesas. Posto isto, é possível aferir que o crescente interesse farmacêutico no ursodiol contribuiu para aumentar o seu valor enquanto potencial fármaco. Em 1970, um kilograma de vesícula biliar de urso custava aproximadamente 186€, em 2009, a mesma quantidade variava entre 27.855€ a 46.425€. Quanto valerá agora em 2020?
Torna-se igualmente importante mencionar que a medicina tradicional chinesa dispõe de outros tratamentos à base de plantas, recorrendo à terapêutica com ursodiol, tais como a lobélia asiática e a calota chinesa.
Qual o futuro do Urso Negro asiático?
Esta espécie é, atualmente, uma espécie vulnerável, segundo a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN).
É notório que a indústria farmacêutica ocidental fez um esforço para encontrar uma alternativa aos métodos de extração utilizados pela medicina tradicional chinesa. Fá-la recorrendo a variados processos de síntese de UDCA, tendo como reagente de partida outros ácidos biliares, entres os quais o ácido cólico e o ácido ursólico que se adquirem com relativa facilidade. A fonte mais viável de outros ácidos biliares é, então, a bílis de animais bovinos, obtida em matadouros, post mortem.
Contudo, dado à sua complexidade e extensão, este processo de síntese moderno não está, ainda, otimizado, porque implica a manipulação de reagentes de natureza tóxica e elevados custos de eliminação de resíduos perigosos.
Relativamente à indústria bovina, sabemos que também constitui uma desvantagem à otimização da síntese de ursodiol pelo facto dos principais matadouros que fornecem a indústria farmacêutica europeia carecerem de condições técnicas e higiénicas adequadas, uma vez que se localizam em países como o Brasil e a Índia.
Na Europa e restante Mundo Ocidental …
A síntese de ursodiol é realizada a partir de ácido cólico, oriundo de matadouros de todo o globo. Felizmente, a extração de bílis desses animais é realizada sem o seu sofrimento, ao contrário do método de extração utilizado na China. É importante ressalvar que a indústria farmacêutica procura novos métodos de síntese deste fármaco, de modo a otimizar a sua produção.
Caso lhe tenha suscitado interesse pela informação que foi disponibilizada neste post, poderá consultar as notícias, os artigos científicos e testemunhos a ele associados aqui no blog! Lá encontrará informação adicional ao tema!
Comentários